Capítulo 7 — A Pedra de Luar e os Treinos
Seja bem-vindo(a) ao mundo de Avalon.
Aqui, memórias esquecidas têm voz, monstros carregam sentimentos, e até a magia tem segredos que preferia esconder.
Esta não é só uma história de Fantasia, reinos e heróis improváveis — é uma jornada sobre quem somos quando o mundo nos vira do avesso.
Se você chegou até aqui… prepare-se.
Respire fundo.
Deixe o mundo lá fora por um instante.
A porta se abriu.
A aventura vai começar.
A primeira luz da manhã filtrava-se pelas janelas da estalagem como um sussurro dourado, pintando de brilho suave os móveis envelhecidos e a madeira rústica do lugar. O mundo parecia ter parado por um instante, como se Avalon também respirasse fundo com eles.
Grumak e Malias desceram lado a lado. Os rostos estavam serenos, mas os olhos... os olhos ainda traziam ecos da noite anterior. A sombra que os caçava havia desaparecido, mas não deixará paz — apenas perguntas.
No balcão, Balbito os aguardava com um sorriso que quase escondia a ansiedade por trás da gentileza.
— Dormiram bem? Prontos pra pagar a dívida? — disse ele, as orelhas se curvando num gesto amistoso.
— Estamos, Balbito — respondeu Grumak, firme, mas educado.
Malias apenas assentiu. Seu olhar, sereno como sempre, escondia a mesma inquietação que Grumak sentia: o descanso fora apenas um intervalo.
— Ótimo. Então passem na guilda. O Venlar vai explicar melhor o que vocês toparam — disse o velho, virando-se para arrumar algumas xícaras como se não tivesse acabado de entregar uma missão com décadas de poeira sobre os ombros.
A sede da guilda tinha cheiro de papel velho, couro e madeira encerada. Poucos aventureiros passavam por ali. Era mais um posto esquecido do que uma base de glória. Mas ainda pulsava com certa dignidade.
Venlar estava onde sempre parecia estar: atrás do balcão, com a postura relaxada e um brilho astuto no olhar.
— Ah, os heróis da madrugada... — disse ele, puxando uma gaveta e retirando de dentro um pergaminho antigo, quase quebradiço. — Vamos ao que interessa.
Ele o desenrolou com cuidado sobre o balcão. As palavras ali gravadas estavam desbotadas, mas ainda legíveis, como se o tempo houvesse decidido respeitar aquela missão.
— Pedido registrado há setenta e dois anos. Um morador da vila, antigo alquimista, deixou o desejo de obter algo que poucos sequer acreditam existir: a Pedra de Luar.
Ele fez uma pausa dramática e então continuou:
— Essas gemas não são comuns. Elas surgem apenas em noites específicas — entre a lua minguante e a nova, quando o céu parece prender a respiração. Aparecem no Vale dos Ventos, após a dissipação da névoa da meia-noite. É como se só pudessem existir quando a escuridão se retira..., mas ainda não deu lugar à luz.
Grumak observava em silêncio. Malias se inclinou levemente, atenta.
— E por que ninguém conseguiu? — ela perguntou.
— Porque elas não podem ser tocadas diretamente — respondeu Venlar. — São instáveis. Algumas vezes, se desmancham ao simples contato. Outras, nem chegam a aparecer. Alguns voltaram de mãos vazias. Outros... não voltaram de jeito nenhum.
— Parece mais uma lenda do que uma missão — murmurou Grumak.
Venlar deu de ombros.
— Balbito sempre acreditou nelas. Disse que viu uma, quando era jovem. E ainda guarda um mapa antigo com o caminho para o vale. Ninguém mais se interessou. Ou teve coragem.
O silêncio pairou por um momento. O tipo de silêncio que carrega tanto desafio quanto respeito.
Malias cruzou os braços.
— Se essa pedra só aparece quando a escuridão se dissipa... talvez não estejamos tão distantes dela quanto pensamos.
Grumak assentiu, olhando para além das janelas da guilda, onde o céu começava a se nublar.
— Depois do que enfrentamos... uma pedra que só existe entre sombra e silêncio parece apropriada.
Venlar sorriu com um misto de ceticismo e admiração.
— Se trouxerem essa pedra, a história muda. Não só pra mim ou pra Balbito. Mas pra esse lugar inteiro.
E com isso, Grumak e Malias deixaram a guilda. Não como simples viajantes. Mas como os primeiros, em mais de sete décadas, a aceitar buscar um fragmento de lenda.
O Vale dos Ventos os aguardava.
E talvez, no fim da escuridão, a pedra revelasse mais do que sua luz.
Shiro despertou devagar, como quem retorna de um mergulho profundo. O teto curvo acima dele era feito de madeira viva, galhos entrelaçados formando uma estrutura orgânica, coberta de musgo e folhas secas. O cheiro de terra úmida preenchia o ar.
Estava deitado sobre uma cama de folhas trançadas, coberto por um lençol rústico feito de fibras vegetais. Ao lado, repousava uma bandeja de madeira: pão fresco, queijo amarelado e uma tigela de caldo fumegante. Mas seu estômago ignorava tudo.
— Helster...? — murmurou.
Tentou se levantar, mas uma tontura o forçou a se apoiar na parede viva da árvore. O mundo ainda rodava em torno do que havia acontecido.
Na porta, uma sombra imensa bloqueou a entrada. Shiro arregalou os olhos. Por um instante, achou que fosse uma rocha viva... até que a sombra respirou.
Um urso negro, bípede, coberto de cicatrizes, especialmente uma longa que cruzava seu rosto. Os olhos eram serenos, mas carregavam o peso de quem já tinha visto — e vencido — muitas guerras. Uma aura ancestral o envolvia como se o mundo o respeitasse só por ele existir ali.
— Quem... quem é você? — Shiro perguntou, engolindo seco.
— Alvim Semedo — respondeu o urso, com uma voz grave, quase um trovão contido. — Seu amigo está bem. Está treinando.
— Treinando?! — Shiro arregalou os olhos.
— E você também vai — disse Alvim, já virando de costas. — Venha.
Do lado de fora, um vale secreto se abria entre montanhas altas e florestas antigas. A luz do sol filtrava-se entre as árvores como lâminas douradas. O som de um riacho ao longe completava o cenário, dando àquele lugar uma aparência de refúgio... e de teste.
Em uma clareira entre pedras, Shiro viu Helster.
Ele golpeava uma pedra com um bastão simples, o corpo coberto de suor. A cada golpe, repetia como um mantra:
— Quebre... quebre... quebre...
O bastão rangia, já lascado. Helster não parava. Seus braços tremiam, mas os olhos... os olhos brilhavam com determinação.
— O que ele está fazendo? — perguntou Shiro, ainda atordoado.
— Aprendendo persistência — respondeu Alvim. — Força sem propósito é só destruição bonita.
Shiro engoliu em seco. O peso da própria transformação ainda o apertava por dentro. A lembrança da sombra, do grito, da forma que assumiu... tudo ainda queimava em sua mente.
Alvim o encarou de lado, como quem lê pensamentos.
— Foi sua primeira vez, não foi?
Shiro assentiu devagar.
— Quando vi Helster... algo explodiu. Eu não era eu. Era só fúria, instinto. E força demais.
— E o que isso te trouxe?
— Medo. Culpa. E um poder que não entendo. Que me engole por dentro.
Alvim cruzou os braços.
— Força sem controle é como uma lâmina sem cabo. Fere quem empunha... antes de atingir o inimigo.
Shiro baixou os olhos. O que sentia era mais do que dúvida. Era vergonha. Vergonha por ter perdido o controle, por ter gostado, mesmo que por um instante, da sensação de ser invencível.
— Quero mudar. Me treine — disse, num sussurro firme.
Alvim deixou escapar um meio sorriso, quase imperceptível.
— Então vamos começar.
Ele pegou um bastão de madeira simples. Respirou fundo. E então, uma energia dourada e cálida começou a fluir de seu corpo para o bastão. Em um único golpe, seco e limpo, partiu uma rocha ao meio. O bastão permaneceu intacto.
— Cem golpes com um único bastão, sem quebrá-lo. Quando conseguirem, ensino o Daishi — uma técnica de canalização. Mas o segredo é equilíbrio. Não força.
Helster parou por um momento e olhou para Shiro, sorrindo cansado.
— Boa sorte.
Os dias seguintes foram duros. Exaustivos.
Ao amanhecer, o treino começava. Ao anoitecer, Shiro desabava.
Helster evoluía. Com constância. Com calma.
Shiro, não.
A cada cinquenta, sessenta, às vezes setenta golpes... o bastão partia.
Sempre partia.
O som da madeira rachando era como um lembrete cruel de sua limitação.
— Estou falhando — confessou a Alvim, num fim de tarde em que nem conseguia ficar de pé.
— Está lutando contra si mesmo — disse o mestre. — E perdendo.
— Eu tento. Respiro, foco..., mas a energia foge. Ou explode. Ou quebra o bastão. É como se... tivesse algo dentro de mim sabotando tudo.
Alvim se aproximou e colocou uma pata pesada, mas estranhamente confortável, no ombro do jovem.
— Está tentando conter a fera. Mas conter não é o mesmo que compreender. Medite. Não force. Conduza.
Na mesma hora, Shiro tentou.
Fechou os olhos.
Respirou.
Sentiu o bastão em suas mãos, como se fosse parte de seu próprio corpo. Uma extensão, não uma arma. E então... algo mudou. A energia veio. Tímida. Como uma brasa. Mas constante.
Helster, ao longe, percebeu.
— Você consegue, Shiro. Tá indo.
Shiro abriu os olhos e pela primeira vez em dias... se sentiu leve.
Helster foi o primeiro a atingir os cem golpes.
Alvim o observou, aprovando com um simples aceno.
— Venha. Agora, outro tipo de treino começa.
Shiro observou o amigo desaparecer floresta adentro com Alvim. Um nó se formou em sua garganta. Não era inveja. Era peso. Como se tivesse ficado para trás... de novo.
Mais tarde, à noite, sentados à beira de uma fogueira que estalava em silêncio, Shiro quebrou o silêncio.
— O que foi... lá na floresta?
Helster coçou a nuca.
— Nada demais... Alvim me vendou e mandou sentar em silêncio. Meditar.
— E?
— Parecia bobo. Mas não era. A floresta tem... presença. Eu senti algo ali. Como se tudo estivesse observando. Ou esperando.
Shiro ficou quieto. O vento balançava as folhas. A fogueira lançava sombras nas árvores. A fera dentro dele continuava ali, adormecida, mas faminta.
— Eu queria estar pronto — confessou, por fim. — Mas não estou. A transformação... aquilo... ainda me assombra.
— Então vai devagar — disse Helster, com um meio sorriso. — Quando a floresta achar que você tá pronto... ela vai te chamar.
Shiro riu baixo.
— Parece papo de velho sábio.
— Talvez eu esteja virando um — respondeu Helster, olhando para o céu.
A conversa cessou. Mas o silêncio não era pesado. Era... confortável.
Naquela noite, Shiro sonhou com seu quarto de infância. Brinquedos quebrados no chão. O pai gritando. A ausência da mãe preenchendo o mundo como um vazio.
E então ela apareceu. Envolta em luz suave.
— Hiro... cuide do que tem. As coisas que vêm com amor... precisam de carinho.
Ele acordou com lágrimas nos olhos.
E com algo novo queimando no peito.
Um propósito.
Seus dons não eram uma maldição.
E naquele novo dia, ao erguer o bastão outra vez...
...ele já não era o mesmo garoto do sonho.
Era um guerreiro em construção.
E estava pronto para quebrar mais do que pedras.
Estava pronto para quebrar a si mesmo... e se reconstruir.
Shiro despertou com o sol alto filtrando-se pela abertura da grande árvore onde dormia. Seus olhos arregalados e o coração acelerado denunciavam a intensidade do sonho que acabara de ter. Ainda sentia em sua pele o calor das palavras de sua mãe, como se ela tivesse acabado de sussurrar em seu ouvido. Limpou o rosto e inspirou profundamente. Havia algo diferente dentro de si. Uma clareza que não sentia havia muito tempo.
Naquela manhã, voltou ao treinamento com um novo ânimo. Segurava o bastão com respeito, como se estivesse empunhando uma extensão de seu próprio corpo. Canalizou sua energia com serenidade, guiado pela lembrança de sua mãe. A cada golpe, sentia o bastão responder melhor, mais firme, mais resistente. Como se estivesse se moldando à sua vontade.
Antes do almoço, Shiro desferiu o centésimo golpe. O bastão permaneceu intacto. A rocha diante dele, embora não estivesse partida, exibia marcas fundas. Shiro soltou o bastão, ofegante. As lágrimas escorreram silenciosas por seu rosto. Não era apenas uma conquista física. Ele havia vencido algo dentro de si.
Alvim se aproximou com um leve sorriso.
— Conseguiu, hein? — disse, dando dois tapinhas firmes no rosto do garoto. — Bom trabalho. Vamos almoçar. Você vai precisar de energia para a próxima etapa.
Durante a refeição, Shiro e Helster dividiram um banquete simples, mas incrivelmente saboroso. Sentados à sombra de uma grande árvore, comiam pão, carne e legumes. Shiro estava leve. Helster, por sua vez, parecia quase radiante por não precisar mais meditar sozinho na floresta.
— Finalmente, Shiro! — disse Helster, com a boca cheia. — Achei que você nunca fosse terminar. Se eu passasse mais um dia sentado no mato meditando, minha bunda virava raiz!
Shiro riu, quase engasgando.
— Você não fazia mais nada além de meditar?
— Nada! Alvim me vendava e dizia: "Sinta a energia da floresta". E eu só sentia fome e formigas subindo pela perna.
Ambos gargalharam. Pela primeira vez em dias, o clima era leve. Quando Alvim surgiu, os dois sentaram-se mais eretos, atentos.
— Vocês provaram que têm determinação. Agora é hora de aprenderem o golpe que tanto esperaram.
Os olhos de Shiro e Helster brilharam. Seguiram Alvim até o campo de treinamento. O local parecia diferente. Mais solene.
— Peguem um bastão cada um. — Alvim apontou para a rocha intacta no centro do campo. — Quero que repitam o processo, mas desta vez, levem sua energia ao limite. Controlem, canalizem e soltem tudo no momento certo.
Concentrados, eles fecharam os olhos. Energia fluiu. Mãos apertaram com força. Abriram os olhos e golpearam juntos.
O som do impacto ecoou. Mas nada aconteceu.
Os bastões se partiram. A rocha permaneceu intacta.
— O quê?! — exclamou Helster.
— Fizemos tudo certo! — protestou Shiro.
Alvim cruzou os braços, com um sorriso enigmático.
— Vocês seguiram o básico. Mas o golpe que viram é o ápice do Daishi. Não é apenas energia. É controle absoluto.
E não deu trégua. A tarde toda, os dois treinaram sob orientação intensa. Alvim não aceitava distrações. Corrigia, repreendia e exigia mais a cada falha.
Quando o sol sumiu, ele enfim os liberou.
— Descanso. Amanhã, o verdadeiro treinamento começa.
Naquela noite, sentados ao redor da fogueira, Shiro e Helster riam da dificuldade.
— Achei que partir a rocha seria moleza... — resmungou Helster.
— Pra um urso ancião superpoderoso, talvez. Pra nós... graveto contra montanha.
Riram juntos. Apesar do cansaço, estavam prontos para continuar.
— Amanhã, Shiro, eu vou quebrar aquela rocha.
— Talvez a gente quebre juntos. Aposto que Alvim vai se impressionar.
E com esse pensamento, os dois olharam para o céu estrelado. O desafio era grande, mas a vontade de superá-lo era ainda maior.
Obrigado por ter lido até aqui.
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Avalon é um mundo vasto, cheio de mistérios — e sua presença aqui o torna ainda mais vivo.
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A jornada continua, e você faz parte dela.
Até o próximo capítulo —
Com gratidão, e muita Fantasia.
SpiderBH