Capítulo 2 – As Chamas do Julgamento
Seja bem-vindo(a) ao mundo de Avalon.
Aqui, memórias esquecidas têm voz, monstros carregam sentimentos, e até a magia tem segredos que preferia esconder.
Esta não é só uma história de Fantasia, reinos e heróis improváveis — é uma jornada sobre quem somos quando o mundo nos vira do avesso.
Se você chegou até aqui… prepare-se.
Respire fundo.
Deixe o mundo lá fora por um instante.
A porta se abriu.
A aventura vai começar.
O som da cidade chegou antes da cidade em si.
Karmon estava diferente.
Não era só a dor nos corpos de Grumak, Shiro e Helster. Era o peso nos olhares, os gritos à distância, o cheiro de fúria no ar.
Eles mal cruzaram os portões quando a tempestade caiu.
— Eles voltaram… e os nossos não!
— Monstros! Assassinos!
— Onde estão Lyra e Ravi?!
As vozes vinham de todos os lados, afiadas como lanças. O povo cuspia ódio como se aquilo fosse justiça. Alguém atirou uma pedra. Outra seguiu.
Grumak se colocou na frente de Shiro e Helster. Seu corpo sangrava, mas seus olhos queimavam. Ele não atacaria. Mas se fosse preciso, cairia de pé.
— Lutamos até o fim! Perdemos eles também!
— Kellen tá vivo porque a gente não fugiu! — Helster gritou, a voz rachando.
Mas ninguém ouvia.
Foi quando Elizabeth apareceu, andando como quem não devia nada a ninguém. Sua capa se ergueu com o vento, sua voz cortou o tumulto.
— Afastem-se! Eles estão sob minha proteção!
Ela não pediu. Ela mandou. E o povo obedeceu — por medo ou respeito, não importava. Grumak, Shiro e Helster a seguiram pelos becos, apressados, em silêncio. Entraram por uma lateral da guilda, passaram corredores escuros e sumiram atrás de uma estante pesada.
Uma porta de pedra os engoliu. A cidade ficou do lado de fora.
Ali dentro, o mundo era outro: cheiro de papel velho, aço adormecido e magia esquecida. No fundo da sala, uma caixa negra repousava sobre um manto púrpura.
Mas o que assustou não foi a caixa.
Foi o nome brilhando nela.
GRUMAK.
— Como ela…? — Helster começou.
— Talvez não seja mais só um jogo — murmurou Grumak.
Ele tocou a tampa. Um calor subiu pelo braço. A caixa se abriu com um estalo suave.
Dentro, uma luva negra com linhas vermelhas que pulsavam como se respirassem. E um pergaminho.
"Aqueles que portam o legado das chamas devem arder antes de iluminar o caminho."
"As Luvas de Makar reconhecem o portador."
"Queime. Transforme. Guie."
Elizabeth se aproximou, a respiração presa.
— Isso é... uma relíquia. As lendas diziam que Makar foi o primeiro a domar o fogo. Essa luva só aparece pra quem tem um papel maior.
Grumak observou a peça em silêncio. Depois, respirou fundo. E a vestiu.
A sala respondeu.
Runas acenderam nas paredes. Um círculo brilhou no chão. A energia preencheu cada canto como se a própria guilda acordasse.
— Pai?! — Shiro se aproximou.
Grumak, ofegante, assentiu.
— Estou bem. Mas algo… mudou.
— O poder vai te testar. — disse Elizabeth. — Mas ele te escolheu.
Do lado de fora, a cidade berrava. Batidas na porta da guilda, gritos exigindo justiça.
— Não vou conseguir segurar eles por muito tempo — ela admitiu. — A cidade quer culpados, não respostas.
Ela abriu um alçapão escondido sob o chão.
— Esse túnel leva pra fora dos muros. Sigam rumo ao sul. Em Eldoria, talvez encontrem abrigo... ou ao menos tempo.
Antes que partissem, entregou uma mochila a Grumak. Comida, poções, um mapa. E um cristal azul.
— Se estiverem prestes a morrer, quebrem isso. Não prometo que eu vá..., mas alguém pode vir.
Grumak segurou o cristal com força.
— Eu voltarei. Não como fugitivo, mas como alguém que vai mudar isso aqui.
Elizabeth apertou seu ombro.
— Só volte inteiro. E com as chamas sob controle.
O túnel era escuro, apertado, e parecia mais apertado ainda por tudo que deixavam pra trás. Helster tentava quebrar o silêncio com piadas idiotas. Shiro andava com o olhar preso no chão. Grumak vinha por último, sentindo a luva pulsar como um segundo coração.
Quando emergiram, a floresta parecia respirar.
Cada árvore, cada sombra, cada folha parecia... viva. Como se Avalon sussurrasse segredos entre os galhos.
Caminharam em silêncio. Até encontrarem um acampamento. Fogueira ainda acesa. Cheiro de sangue.
Shiro farejou o ar.
— Isso é fresco. Muito.
Grumak agachou, encontrou um amuleto meio queimado entre as cinzas. Algo ancestral gravado nele. E então… Shiro travou.
— Ali! — apontou e disparou.
— SHIRO! — gritou Grumak, correndo atrás.
Eles emergiram numa clareira. E viram.
Um monstro. Gigante. Corpo de urso, dentes de crocodilo, olhos de pesadelo. E na boca… o resto de alguém.
Shiro congelou. O medo o paralisou.
O monstro rugiu. E correu em direção a ele.
Grumak se jogou, empurrando o filho. Mas foi atingido no flanco e lançado contra uma árvore.
Helster viu. Pegou um escudo jogado no chão e avançou.
— VEM PRA CIMA, SEU FILHO DA—
O impacto fez a criatura recuar.
— SHIRO! ELE TÁ FERIDO! REAGE!
Shiro finalmente respirou. Seus olhos se encheram de lágrimas, depois de raiva. Desviou das garras, acertou a espada no monstro.
Foi superficial.
E o monstro brilhou.
A aura vermelha cresceu. Ele estava evoluindo.
— CUIDADO! — gritou Grumak, ainda no chão.
Shiro foi arremessado. Helster quase caiu.
Grumak sentiu a luva arder. A voz veio como fogo na mente:
“Me use.”
— AFASTEM-SE!
Shiro e Helster se jogaram pro lado.
— INCENDIAR!
Chamas brotaram do chão, engolindo o monstro. Gritos. Fogo. Cinzas.
E silêncio.
Grumak desmaiou.
Shiro e Helster o arrastaram de volta. Usaram uma poção. Esperaram. Fizeram vigília sob as estrelas.
No mundo dos sonhos, Grumak flutuava.
“Você foi escolhido. As Luvas de Makar são seu fardo e sua força.”
“Você não usará armas comuns. Mas ganhará poder. Três habilidades se revelam:
Incendiar.
Transporte Rápido.
Copiar Poções.”
“Mas lembre-se: o fogo destrói tanto quanto protege.”
Ele acordou com um suspiro.
— Pai! — Shiro correu.
— Tô bem, disse Grumak. — E tô pronto.
Encontraram um mapa. Um templo ao norte. Talvez respostas.
Caminharam por dias...Foram dias exaustivos.
A floresta os testava a cada passo. Fome, monstros, terreno traiçoeiro. Mesmo assim, seguiam — sujos, cansados, mas de pé. Grumak cada vez mais familiar com o poder das Luvas de Makar. Shiro e Helster já não hesitavam mais ao ouvir um galho quebrando. A adrenalina tinha virado rotina.
Foi quando a trilha se abriu numa clareira… e a ameaça se materializou.
Cinco aventureiros bloqueavam o caminho.
Não falaram nada. Só esperaram. Postura de quem já sabia com quem estava lidando — e o que pretendia fazer.
Mas entre eles, um se destacou.
O da frente.
Alto, esguio, mas sólido como aço dobrado. Seus cabelos eram curtos, negros, cortados com precisão quase militar. A pele clara em contraste com os olhos… olhos vermelhos, intensos, como brasas acesas em meio ao frio.
Na mão direita, empunhava uma espada de lâmina sinuosa, que mais parecia se contorcer como uma serpente viva. O cabo tinha o formato de uma víbora enrolada, com olhos de rubi. O símbolo gravado no aço era claro: uma serpente mordendo a própria cauda.
Na outra mão, ele carregava um escudo grotesco — moldado como a cabeça de um dragão negro. Os olhos do escudo também brilhavam em vermelho, como se a criatura ainda estivesse viva, observando tudo. Um leve vapor escuro saía pelas narinas da forma entalhada, como se o escudo respirasse ódio.
Grumak sentiu na hora.
— Essa aura… não é de aventureiros comuns. Isso é outra coisa.
— Isso é puro veneno. — Murmurou Helster.
Shiro deu um passo à frente, espada em punho.
Mas o homem da lâmina serpenteante não hesitou.
Avançou com velocidade absurda.
Shiro ergueu a espada para bloquear, mas ao colidir com a lâmina do inimigo, sua arma quebrou em dois com um som agudo e seco. Ele foi lançado contra uma árvore, o peito arfando, os olhos arregalados.
Helster avançou, escudo em riste.
— NÃO ENCOSTA NELE!
O inimigo girou a espada como se fosse parte do próprio braço e rebateu o ataque com o escudo em forma de dragão. O impacto lançou Helster metros para trás.
Grumak não pensou. Ativou Incendiar.
Chamas brotaram sob os pés do inimigo.
Nada.
O fogo simplesmente se desfez ao tocá-lo, como se tivesse medo.
O guerreiro sorriu. Um sorriso lento, frio. Quase divertido.
— Ele... anulou minhas chamas — Grumak murmurou, incrédulo.
Shiro, ofegante, sacou sua segunda espada. As mãos tremiam, mas ele foi. Cortes rápidos, desesperados.
Mas o inimigo... dançava. Desviava com movimentos que pareciam coreografados. A lâmina em forma de serpente silvava no ar como se tivesse vontade própria.
E então, num só golpe, acertou Shiro no estômago. O garoto caiu de joelhos, tossindo sangue.
A ponta da espada do inimigo tocou seu pescoço.
Grumak gritou:
— NÃO!
As runas das Luvas de Makar brilharam intensamente.
Transporte Rápido.
Num segundo, Grumak estava ali, entre eles. Bloqueou o golpe com o braço coberto pela luva.
O impacto foi brutal. Ele deslizou para trás, os pés abrindo sulcos no chão… mas não caiu.
— Se quiser machucar meu filho... vai ter que passar por mim. — rosnou.
Um segundo inimigo, um mago de túnica cinza, já preparava uma bola de fogo monstruosa.
— GRUMAK, AGORA! — gritou Helster, do chão.
Grumak agarrou os dois.
— TRANSPORTE RÁPIDO!
Sumiram.
O rugido do fogo engoliu as árvores. O calor os alcançou mesmo à distância, enquanto observavam, de um novo ponto da floresta, a devastação deixada para trás.
Mas eles já estavam longe.
Respirando com dificuldade, os três se ajoelharam, ofegantes, cobertos de suor e terra.
Shiro caiu de joelhos.
— Eu… eu quase morri.
— Aqueles não eram aventureiros normais — disse Helster, ainda deitado, tentando recuperar o fôlego.
Grumak não tirava os olhos da fumaça que subia no horizonte.
— Não. Eles estavam ali por nós. Sabiam quem éramos. Estavam preparados.
Shiro apertou os punhos.
— Chega de fugir.
Grumak os encarou em silêncio. Havia algo em seus olhos — firmeza, clareza… fogo. O peito ainda ardia, mas não era dor. Era a energia das Luvas. Era algo mais profundo: propósito.
Eles estavam mudando.
Já não eram apenas jogadores presos num mundo estranho. Eram parte dele agora. E ele era parte deles.
— Vamos recuar — disse, enfim. A voz soou grave. Decidida. Como pedra que não se move.
Shiro assentiu em silêncio. Helster só deu um meio sorriso cansado.
E então, eles seguiram.
Machucados, sim. Mas vivos. E com a chama do propósito queimando nos olhos.
A trilha era estreita, ladeada por árvores altas que filtravam o céu em faixas douradas. O ar estava mais leve, com cheiro de folhas molhadas e terra fértil. Havia o som da água correndo por perto, e o farfalhar suave das copas balançando como sussurros. A floresta parecia... viva. Observando.
Eles caminhavam como quem carrega história nas costas. Silêncio entre eles, mas não era desconforto — era respeito. Um tipo de reverência ao que haviam enfrentado.
Horas se passaram. Subidas íngremes, clareiras escondidas, pedras cobertas de musgo. E então, à frente, o cenário mudou.
No horizonte, recortada pelo sol poente, uma cidade se erguia como um sonho antigo.
Torres redondas se projetavam no céu alaranjado. Muralhas cobertas de heras contornavam a encosta de um penhasco. Algumas casas estavam suspensas sobre a borda, como se desafiando a gravidade.
Mas algo não fazia sentido.
Grumak parou, olhando ao redor.
— Cadê a ponte? — perguntou, mais pra si do que pros outros.
Shiro franziu o cenho.
— Tem um rio. E tá violento demais. Nadar não é opção.
Helster, atento, apontou adiante:
— Lá. Um altar.
Perto da beira do penhasco, um pedestal solitário de pedra se destacava. Coberto de musgo, envelhecido… e mesmo assim, estranho. No topo, flutuava uma esfera azulada, translúcida, que pulsava devagar — como se tivesse um coração próprio.
Eles se aproximaram com cautela.
O ar ao redor da esfera parecia... mais denso. Quente. Como se algo invisível se movesse ali, respirando junto com eles.
Grumak se inclinou, analisando os símbolos entalhados.
— Não entendo essa linguagem — murmurou, tentando decifrar.
— Parece... ancestral — Shiro comentou, tocando as runas com a ponta da unha.
— Essa coisa tá me chamando. Tipo... de verdade — disse Helster, dando um passo pra trás. — Não sei se isso é bom ou péssimo.
A esfera brilhou mais forte. Como se tivesse escutado.
Grumak se inclinou um pouco mais... e escorregou.
— Ugh—! — Seu dedo roçou a superfície brilhante.
Instantaneamente, uma luz explodiu em volta deles. Intensa. Quase cegante. O chão tremeu.
E Grumak desapareceu.
— PAI!! — Shiro gritou, a voz cheia de desespero.
Helster congelou por meio segundo. Então correu. Sem pensar, sem medir. Tocou a esfera.
Outro clarão.
Só restava Shiro agora.
Ele ficou ali, parado, coração acelerado, os olhos presos à esfera.
— Espere por mim, seus malucos...
Fechou os olhos. Respirou fundo. E encostou também.
A luz o envolveu como um abraço quente.
E então, silêncio.
O altar ficou ali, imóvel. O vento voltou a soprar.
O rio continuava rugindo abaixo, indiferente.
E a cidade do outro lado da margem... permaneceu em silêncio.
Como se esperasse.
Obrigado por ter lido até aqui.
Cada visualização, cada comentário, cada segundo que você dedica a essa história… significa o mundo pra mim.
Avalon é um mundo vasto, cheio de mistérios — e sua presença aqui o torna ainda mais vivo.
Se gostou do capítulo, não esqueça de deixar seu apoio.
E se algo te tocou, te fez rir, pensar ou chorar… me conta. Vou adorar saber.
A jornada continua, e você faz parte dela.
Até o próximo capítulo —
Com gratidão, e muita Fantasia.
SpiderBH